Esse texto possui spoilers sobre o novo episódio.
Escrito por: Pedro Rubens
“Deixe-me ir, preciso andar / Vou por aí a procurar / Rir pra não chorar” é o que pede Cartola em ‘Preciso Me Encontrar’, uma das suas canções mais famosas. O processo de reconstrução pós-luto é daquelas situações individuais nas quais cada um encara a sua maneira. Enquanto uns lamentam, outros só querem buscar um motivo para sorrir ao invés de chorar.
O quarto episódio de Cidade de Deus: A Luta Não Para nos apresenta, em pouco mais de 50 minutos, as múltiplas faces de como encarar o luto. Não apenas a família sofre por ter perdido Curió, mas toda a comunidade precisa se reestruturar e encontrar algo no qual se sustentar. Entretanto, como diz Buscapé: “o medo é um mar de incertezas”.
Em meio à dor, o novo chefe da favela decide ir se despedir do seu falecido pai. Em uma cena extremamente potente, Bradock chega ao velório de Curió e é confrontado por Marta, a viúva. Enquanto muitas verdades são ditas, a consternação se instala no olhar daquele que um dia foi da família mas que optou por apontar uma arma e tirar a vida daquele que mais se aproximou de um parente.
Por outro lado, Berenice se dedica às idas ao hospital para cuidar de PQD, que permanece internado, perdeu uma das pernas e segue decidido por vingança. Assim como ele, Geninho, escondido por estar com a vida em risco, encontra-se com a irmã e reafirma o que todos já sabem: vai caçar Bradock a todo custo e para isso vai visitar seu antigo aliado no hospital e deixa-o armado, de prontidão caso alguém tente “finalizar o serviço”.
Ao mesmo tempo em que a comunidade se arrasta ao tentar reerguer-se após a morte de Curió, o núcleo político da série também reage. Israel, em confronto com Barbantinho, intensifica sua fala de que a única solução segue sendo entrar na comunidade e se mostra inflexível diante da possibilidade de outra solução. Por se intitular cidadão de bem, o candidato a vereador reforça que não há outra maneira a não ser invadir, com armamento, a favela e fazer o que for necessário para cortar o mal pela raiz.
O que até então está sendo mantido em sigilo vem à tona: Lígia repara que em todas as fotos da Mineira há uma mulher se escondendo e opta por, junto ao Buscapé, seguir o governador e seu filho. Gerusa aparece no restaurante e finalmente descobrimos a ligação da advogada com a milícia. A relação dela com Reginaldo, um ex-policial que recebia dinheiro de Zé Pequeno e é conhecido por Cabeção, é apresentada ao público e fica implícito qual a motivação por trás de tudo isso: dinheiro. E viva o cidadão de bem!
Porém, ao sair de casa durante a madrugada para encontrar o eixo político da série, Bradock percebe e sente falta da amada. Isso torna a relação desgastada ao ponto e é a porta de entrada para o desenvolvimento de um novo arco: Gerusa e Israel tentando capturar Bradock para conseguir ganhar as eleições e, consequentemente, mais influência no Rio de Janeiro.
A cama de gato está armada e toda essa estrutura vai se solidificando a partir do desenvolvimento de pequenos arcos: Leka e suas parceiras de funk separam-se por não conseguir chegar a um consenso acerca do contrato; Delano enfrenta o novo chefe da Cidade de Deus para defender a filha de Curió, quem antes servia ao falecido agora vai pedir autorização para seguir na comunidade ou servir à Bradock; o novo chefe da favela pede ajuda a Barbantinho para manter a paz na comunidade e, para isso, inicia uma espécie de campanha para comprar instrumentos musicais, promover festas, etc.
Numa dessas tentativas, enquanto presenteava os moradores com um grande churrasco e pagode, Bradock surta e mata a sangue frio Zero Onze - aquele que o ajudou na captura do antigo líder da comunidade. Enquanto o terror se espalha, ele segue na tentativa de reconquistar o afeto que outrora já teve e, assim, vai pedir ajuda à Berenice e Cinthia. É quando percebe que os instrumentos da aula de música estão velhos e presenteia-os com novos. Ao receber uma negativa da líder da ONG, que recua assustada com as crianças, um surto acontece e Bradock quebra os instrumentos antigos obrigando-os a aceitar os novos.
Ao não aceitar a opinião de outras pessoas, o personagem vivido espetacularmente por Thiago Martins torna-se uma espécie de personagem com dupla personalidade: se confrontado, a resposta é na bala, mas caso seja abraçado, retribui com presentes. Isso só corrobora com a narrativa construída para Waldemar – seu nome de batismo – e a ausência de um contexto familiar. Talvez, ele seja o reflexo daquele pai que tenta suprir sua ausência dando presentes ao filho, mas não sabe aceitar que está errado…
Para muito além de fazer a boa ação pela necessidade dos alunos, o que o líder da comunidade queria era chamar atenção e por isso levou uma equipe de filmagem que, coordenada por Gerusa, segue filmando enquanto os velhos violinos e violoncelos são destruídos. Essa era a deixa que o Governador queria para invadir, de uma vez por todas, a Cidade de Deus e já vemos os primeiros indícios dessa nova guerra chegando quando os Caveirões são recheados de soldados armados prontos para o abate dentro dos becos e vielas da comunidade.
Porém, em uma das cenas finais do episódio, vemos brutalmente a realidade das comunidades quando, por falta de recursos, uma criança “opta” por roubar um computador da ONG de Cinthia para vender e comprar um tênis. Assim, é levada até Bradock que o interroga, mas é apaziguado por Pezinho (Felipe Paulino) –mais um personagem do filme de 2002 e que promete ajudar a criança.
Entretanto, nos seus últimos minutos, o capítulo mais recente da série nos mostra que o amor também precisa ser sacrificial, quando Berenice se despede de PQD e, ao sair do quarto, dá sinal para a polícia entrar. Essa não foi uma traição, mas um ato de cuidado para com aquele que ela ama. Se essa foi a única forma de garantir que sua vida seja resguardada, que assim seja. Roberta Rodrigues dá uma aula de atuação em poucos minutos e mostra que, quando há talento e paixão pelo que faz, o resultado é impecável!
Por fim, o quarto episódio de Cidade de Deus: A Luta Não Para segue uma estrutura narrativa muito bem alinhada e fundamenta o terreno para os dois últimos capítulos da temporada. O caminho está traçado e agora não há rodeios: a guerra interna irá colidir com a externa que virá sobre si. No fim das contas, Engenheiros do Havaí estava certo ao dizer que:
“Toda forma de poder
É uma forma de morrer por nada
Toda forma de conduta
Se transforma numa luta armada
A história se repete
Mas a força deixa a história mal contada”
Nota: 9,0