Escrito por: Pedro Rubens
Esse texto possui spoilers sobre alguns dos eventos da nova temporada.
Atualmente, há uma certa tentativa de aproximar as produções recentes da vida real. Isso fica evidente em inúmeros filmes, por exemplo, a partir de uma redução da colorimetriaou da remodelação na forma de contar histórias. Quando o enredo tenta se basear em histórias verídicas, ou com tais aspectos, o cenário muda e a pseudo complexidade da vida real se faz presente.
Trying, uma série da Apple TV+, retorna para sua quarta temporada e faz um salto temporal de seis anos, colocando-nos em uma casa que outrora era pertencente a um casal e seu desejo de adoção, mas que agora está preenchida com o mesmo casal mais dois adolescentes. Esqueça toda a ideia forjada até aqui, a produção se renovou e não tem mais a mesma corrida contra o tempo que outrora havia.
O novo ano se inicia com um episódio extremamente emocionante, que leva o espectador às lágrimas e aos risos concomitantemente em um cenário fúnebre. A perda de um personagem tão significativo para as temporadas anteriores é o ponto de ignição para a aventura que se sucede e, mesmo após sua morte, percebemos Bev a todo momento em cena.
Assim como na vida real, perder uma avó não é das coisas mais fáceis de lidar e a série aborda isso de forma singela, quase como uma homenagem a todas aquelas que já se foram e nos ensinando, pedagogicamente, sobre a importância de reconhecê-las.
Dentre as consequências da sua partida, um carro deixado para Pricess é o gatilho para que ela decida buscar sua mãe biológica e essa torna-se a trama principal do novo ano.Tal enredo não tem absolutamente nada de novo por si só, mas a maneira como Trying apresenta a sucessão de eventos e desenvolve narrativas secundárias, costurando um arco maior, é espetacular!
Ao passo que a primogênita corre atrás de maiores informações sobre o paradeiro de Kat, sua mãe biológica, Nikki, a mãe adotiva, segue na tentativa de se conectar cada vez mais com os filhos e criar laços cada vez mais fortes. Por sua vez, Jason decide criar um time de futebol composto apenas por crianças disponíveis para adoção.
Enquanto tudo isso acontece, entre tentativas frustradas do famigerado encontro e treinos para o torneio de futebol, eis que a produção opta por desenvolver um personagem como Scott que, até então, não tinha tanta relevância mas que evoca o que há de mais precioso em Trying, a realidade. É a partir de coisas simples, ações pequenas, que o ordinário acontece na vida.
A partir daí, a narrativa passa a se dedicar em arcos pequenininhos sobre relações interpessoais, mas sempre com o background voltado a tentar responder uma das questões mais básicas que a humanidade sempre buscou: qual o legado que eu vou deixar? Todo o enredo, principal ou não, se volta a isso. Seja Nikki seguindo uma pista e indo parar na Europa na busca de responder todas as perguntas que Princess anotou para sua mãe biológica ou, até mesmo, na união da família em prol dos estudos da adolescente. O legado que eles deixarão permeia toda a nova leva de episódios.
Porém, longe de trazer respostas, Trying entende que é muito mais importante o questionar e refletir do que o responder. Muitas vezes, o roteiro apresenta diálogos questionadores e que evocam a importância de saber perguntar ao invés de querer a justificativa.
Ao fim de tudo, em seu último episódio, a produção consegue sintetizar toda a ideia da temporada e abrir brechas para uma continuação. Não cabe a mim comentar e soltar os maiores spoilers do último episódio, mas abro o coração para dizer que tudo é milimetricamente pensado e corrobora com a construção feita durante os oito episódios do quarto ano.
Ouso dizer que Trying encara a realidade como ela é, e, talvez, por isso, entenda a importância de falar sobre o cotidiano com tanta delicadeza, leveza e sinceridade. O mundo já é pesado demais e, como diria Nikki no último episódio, “nunca é o que está nos preocupando que acaba acontecendo. [...] O cara dirigindo para casa depois do lançamento do barco é com quem você deve se preocupar.”
A vida já é cheia de preocupações para não tentar sorrir mais um pouco, baixar um aplicativo novo, investir em uma viagem aleatória, elencar o que gostamos de fazer em um namoro ou decidir se dedicar a uma nova carreira, mesmo que ela venha nos exigir dedicação por alguns anos.
Nota: 8,69