Escrito por: Pedro Rubens
A exaustão nada mais é do que o ápice do esgotamento. Seja da rotina, trabalho, vivências, atividades ou até temas. Há um certo tempo, o conceito de multiverso chegou nesse ponto e, talvez, a ideia de abordar eventos que se sucedem em linhas temporais diferentes já seja a melhor opção. Nadando contra a maré, o streaming da maçã aposta em uma história deste gênero e prova que ainda há espaço para tal.
Dark Matter, nova série sci-fi da Apple TV+ e que adapta o livro homônimo de Blake Crouch, segue a história de Jason Dessen a partir do momento em que é sequestrado para uma versão alternativa de sua vida. Durante 9 episódios, o protagonista busca uma maneira de voltar para sua verdadeira família, mas embarca em uma jornada angustiante para salvá-los do inimigo mais terrível que se possa imaginar: ele mesmo.
Apresentado como um homem apaixonado pela família mas completamente dedicado ao trabalho, Jason, vivido brilhantemente por Joel Edgerton, encara a dura realidade de se dividir entre a rotina exaustiva e a dedicação à Daniela, interpretada pela incrível Jennifer Connelly, e seu filho Charlie, personagem de Oakes Fegley.
Quando as coisas em casa vão de mal a pior, o protagonista se vê diante de um rapto, sem entender absolutamente nada, mas submerso em uma teia multiversal onde precisa lidar com outras versões de todos aqueles que já conhecia anteriormente. E é nesse ponto que a confusão começa…
É nesse novo universo que Jason descobre que seu experimento deu certo e uma Caixa que se abre para outros universos finalmente conseguiu funcionar. Para tal, faz-se necessário injetar uma substância e aguardar alguns segundos para que ela funcione. Se antes o circo já estava armado, a partir do momento que ele acorda e se vê diante de um corredor com uma quantidade infinitesimal de portas corrobora essa ideia.
Amanda, personagem da brasileira Alice Braga, rouba a cena todas as vezes que está em tela. Ao tornar-se uma espécie de “pseudo” companion de Dessen, a cientista segue com o protagonista e juntos descobrem novos mundos, mas inicialmente com a constante dúvida: o que faz o mundo atrás da porta existir?
Enquanto tudo isso acontece dentro de um corredor recheado de portas, o Jason (sequestrador) já assumiu sua nova identidade e simplesmente tem um único objetivo, revelado gradativamente mas confirmado ao fim da temporada. É assim que a série se desenrola: abre porta, fecha porta. Rouba família, vive como se nada tivesse acontecido, beijinhos e abraços.
Em meio a tais eventos, alguns conflitos secundários que vão se desenrolando, como o do também cientista Ryan, personagem do Jimmi Simpson, e sua busca por aceitação, crescimento profissional, etc. Todos são bem trabalhados e fica evidente que a série busca deixar uma determinada mensagem.
Por outro lado, o plot principal segue seu rumo, caminhando para um desfecho satisfatório e, ao meu ver, surpreendente. Não cabe a mim trazer o spoiler de como tudo termina, mas a metáfora da última porta se abrindo, por quem foi aberta e os acontecimentos que levaram até ali, deixam a sensação de que o dever foi cumprido e o recado dado.
O último episódio entrega um final bem fechado, ainda que com algumas poucas brechas para continuação. Inclusive, essa seria uma péssima ideia. Porém, a beleza se encontra em tentar abraçar a subjetividade do multiverso e entender que a busca por algo sempre vai existir, aqui ou em outro universo.
Ao fim de tudo, Dark Matter vai do narcisismo ao niilismo e traduz, em tela, algumas das maiores questões da humanidade: a satisfação em si, a dedicação ao que de fato se ama e o preenchimento do ser.
Poucas vezes o conceito multiversal foi bem aplicado como aqui, milimetricamente pensado e costurado detalhadamente. Para muito além de uma simples teoria física, na qual estudiosos se debruçam diariamente em prol de respostas, a ideia do multiverso é abordada aqui como uma metáfora da vida humana, condicionada a tantas outras versões de si mesmo que se coincidem e constituem um ser.
A exaustão do tema não foi capaz de apagar o brilho de Dark Matter, pelo contrário, essa é uma daquelas obras que nos mostra que, a partir de uma base bem fundamentada, por mais simples que seja o conflito, este gerará um clímax e desfecho ridiculamente bons. É tudo uma consequência! Certamente essa é uma daquelas produções que estará na lista de melhores do ano.
Nota: 8,72