Escrito por: Pedro Rubens
Na aula mais simples sobre Narrativa, é possível aprender que enredo é a sequência de fatos que compõem a ação da história e que, em sua trajetória linear, segue com a introdução, conflito, clímax e desfecho. Algumas obras audiovisuais aparentam, por vezes, esquecer dessa regra básica e investir em caminhos tortuosos que podem ser benéficos, mas nem sempre é esse o resultado.
A terceira, e última temporada, de Bom Dia, Verônica chegou ao catálogo da Netflix prometendo ser a caçada final. O novo ano começa exatamente de onde parou, com a protagonista pegando a estrada e seguindo as pistas que lhe levarão ao misterioso e cruel Doúm. Mas é nesse limiar que as coisas se complicam…
Diante da quantidade de conflitos que a série apresenta, arcos importantes que precisam ser fechados e núcleos que necessitam de desenvolvimento, a “caçada final” dura apenas 3 episódios e precisa ser no modo acelerado. Personagens entram já no primeiro episódio e caem de paraquedas, arrastando a história para um ponto que mais parece o meio de uma temporada com 8 ou 10 episódios.
Isso acontece com os personagens de Rodrigo Santoro e Maitê Proença, respectivamente Jerônimo/Doúm e Diana. A relação maternal que existe entre os dois não tem tempo de ser bem construída e é apresentada ao público inicialmente como algo romântico, conjugal, até que em dado momento fica evidente que isso não passa de uma obsessão. A pressa para falar sobre tais personagens é tão grande que mais parece uma releitura do Mito de Édipo.
Por outro lado, a série deixa completamente de lado a família da protagonista e apresenta um novo dilema familiar, colocando Verônica Torres no olho de um novo furacão: ela agora passa a ser filha biológica do chefe de toda a máfia que envolve o tráfico de mulheres, crianças e, agora, o leilão de jovens. Como isso é explicado? Em uma simples cena de flashback, sem o mínimo de intenção de preencher as lacunas.
Ainda que o tom mude no episódio final e transforme a protagonista vivida brilhantemente por Tainá Müller em uma espécie de anti-heroína, a sensação é de que tudo foi desenvolvido de maneira absolutamente apressada. Uma narrativa acelerada, que inicia seu terceiro ato faltando desenvolvimento e com muitas lacunas a preencher.
Tendo em vista toda a pressa e inconsistências do roteiro, Bom Dia, Verônica entende que seu papel vai além de ser uma série fictícia. Sua narrativa pode ter sofrido com a decisão de finalização em 3 episódios, mas em momento algum a produção deixou de lado a mensagem principal: abuso feminino.
Essa é a base que fundamenta a série e que leva o público a refletir, ao fim de cada episódio, sobre algo necessário: se você foi vítima de abuso ou conhece alguém que tenha sido, denuncie! A mensagem da série se faz evidente a cada momento e a cena final, talvez, seja a mais emblemática quanto a isso por proporcionar ao público uma aura de Bela Vingança, filme de 2021 da diretora Emerald Fennell.
Por mais que os desvios de caminho tenham acontecido e algumas decisões tenham sido convenientes para acelerar a história, Bom Dia, Verônica torna-se uma daquelas séries emblemáticas por seu apelo. Se assim o for, o desfecho da personagem abre as portas para que muitas outras Verônicas Torres saiam do anonimato e escancarem a realidade dolorosa das quais são sobrepujadas.
Nota: 7,83