Escrito por: Pedro Rubens
Ainda que uma série tenha enredo e alegorias fictícias, o público sempre há de encontrar algum aspecto real nas entrelinhas. Afinal, a ficção só existe porque a realidade dita todas as coisas e conduz a narrativa da vida, das nossas experiências e, consequentemente, daquilo que produzimos.
Santo Maldito, nova série nacional do Star+, conta a história de Reinaldo, um professor universitário e crítico ferrenho das religiões. Diante de um grande dilema que lhe coloca diante de um precipício, sua vida vira de cabeça pra baixo ao enfrentar problemas financeiros, mas tudo piora quando aceita a proposta de um pastor cadeirante da periferia para realizar cultos.
Com um texto milimetricamente e brilhantemente bem elaborado, a produção coloca o público diante de uma história que não se destoa da realidade. Você não precisa ir muito longe para ouvir história de algum líder religioso corrupto, que corrompe a sua crença em prol de dinheiro, fama e crescimento próprio. Aqui, não há espaços para duplicidade de compreensão: Santo Maldito tem uma mensagem para passar e a faz com muita fundamentação.
Ainda que fique explícito que a premissa da série, e todo o seu foco narrativo, estejam enviesados em apenas um lado da moeda, a produção não titubeia ao escancarar um dilema social e de caráter, que vai muito além dos representantes religiosos já conhecidos da realidade brasileira e mundial. Pelo contrário, esse talvez seja o principal pilar que sustenta os primeiros episódios e conduzirá o restante da temporada.
Em paralelo ao texto excepcional, Santo Maldito entrega takes caleidoscópicos, onde o mesmo plano é apresentado sob óticas diferentes e, atrelado ao que está sendo dito, a série ganha ainda mais vigor. Tudo isso muito bem servido com uma película opaca, onde as cores perdem vida e corroboram com a ideia obscura da produção.
Se por um lado o protagonista grita a plenos pulmões que Deus não existe, todos os dilemas que o envolvem levantam o questionamento se de fato a inexistência da divindade é verídica. A profundidade filosófica desse debate é tão grande que, ao terminar o primeiro episódio, você só deseja ouvir mais e mais, ainda que sua fé lhe impeça de acreditar (ou não) naquilo que está sendo dito.
Onde Deus está quando você passa por uma crise financeira? Onde Deus está quando a pessoa que você mais ama definha em uma cama de hospital? Onde Deus está quando indígenas sofrem com o descaso de políticos desumanos?
A mais nova produção do Star+ evidencia os questionamentos que permeiam a fé e a razão desde muitos anos, mas não se abstém de mostrar que a Fé vai muito além da necessidade de respostas, afinal, muitas das nossas perguntas nunca serão respondidas. Em um mundo onde produções como “Deus não está morto” fez sucesso, Santo Maldito vem com potencial para incomodar, escancarar e resignificar muitas certezas (e incertezas).
Nota: 8.5