Escrita por: Amanda Kassis
Este texto contém pequenos spoilers sobre o enredo.
Caleidoscópio é um instrumento óptico que mistura combinações variadas de cores dependendo do movimento – assim como os episódios desta minissérie prometem experiências diferentes conforme a ordem que for assistida, o que resulta em até 40 mil possibilidades.
'Kaleidoscope' propõe uma maneira nova de consumir streaming ao escolher um tema popular – assaltos bilionários considerados impossíveis – e introduzir uma narrativa não-linear. Nenhum episódio é numerado, apenas titulado a partir das cores do arco-íris, e a plataforma os distribui de forma aleatória para cada conta. A única certeza é que o episódio 'Branco' corresponde à series finale, no qual aborda o roubo em si.
A narrativa é inspirada em um acontecimento suspeito durante o Furacão Sandy, em 2012, quando 70 bilhões de dólares foram perdidos em títulos, após um cofre corporativo subterrâneo ser inundado. Ao ficar sabendo, o criador da série, Eric Garcia, decidiu adaptar o que acreditava ser um dos assaltos mais bem-sucedidos da História.
Na minissérie, Ray (Giancarlo Esposito) passa 24 anos planejando sua vingança contra um antigo conhecido, Roger Salas (Rufus Sewell), dono de uma empresa de segurança corporativa, onde estão armazenados 7 bilhões de dólares em títulos ao portador não-registrados, portanto, não-rastreáveis. O plano é um assalto perfeito com a ajuda de outros 6 bandidos, incluindo a filha do protagonista (Tati Gabrielle).
Os episódios mostram diferentes momentos antes e depois do assalto, o que leva a questionamentos sobre o que deu certo ou errado, quem traiu o grupo, e quais deles se tornaram – ou não – bilionários. A ideia é que a audiência possa compreender os acontecimentos independentemente da ordem, mas alguns episódios funcionam melhor como introdução do que outros.
Por exemplo, 'Verde' e 'Amarelo', que mostram respectivamente 7 anos antes e 6 semanas antes do assalto, possuem bastante contexto para o restante da temporada, enquanto 'Violeta' é um coringa que pode ser assistido a qualquer momento por revelar a origem do desejo de vingança de Ray. Já o 'Vermelho', situado na manhã seguinte após o roubo, pode deixar a audiência confusa se não conferiu um dos anteriores.
Dependendo da ordem, o espectador pode saber das segundas intenções de vários personagens ou simpatizar com eles. Talvez, assistir primeiro ao episódio 'Laranja' faça com que ele torça para que os bandidos sejam pegos. As milhares de possibilidades são o que tornam esta experiência tão interessante, porque o assalto em si não passa de mais uma história do gênero, tal como vista em 'La Casa de Papel' ou no filme 'Truque de Mestre'.
Outro detalhe curioso são as pequenas inserções de cores escondidas nos cenários correspondendo aos títulos dos episódios. Pendrives amarelos, casacos violetas, líquidos verdes… A audiência é constantemente relembrada de qual episódio está assistindo. Tudo isso colide na series finale 'Branco', a cor que é formada por todas as outras, e serve para preencher as lacunas sobre o desenrolar dos acontecimentos.
No quesito atuação, fica clara a experiência de Giancarlo Esposito ('Breaking Bad') e Paz Vega ('Cuna de Lobos'), intérpretes dos protagonistas. Entretanto, a performance marcante é de Jai Courtney ('Divergente', 'The Terminal List'), que entrega corpo e alma no papel de Bob, o imprevisível e volátil ladrão.
Ainda sobre os personagens, 'Kaleidoscope' falha em desenvolver melhor algumas questões-chave, como a origem dos relacionamentos nada saudáveis de Judy (Rosaline Elbay). O roteiro é raso, fazendo apenas uma breve menção de que ela precisa refletir sobre isso, mas parece ser relacionado à baixa auto-estima dela. É algo que deveria ter sido mais bem trabalhado, já que leva à graves consequências para outros personagens.
No fim, esta minissérie pode e deve ser considerada um experimento. Há diversas resenhas – tanto da crítica especializada quanto da audiência – enfatizando que a história é clichê, porém 'Kaleidoscope' é sobre o formato, não a narrativa. É óbvio que não são todas as tramas que podem ser apresentadas fora da ordem cronológica, porém, essa produção mostra uma nova perspectiva para dar uma sobrevida no universo de séries que tanto recicla temas já conhecidos. Pelo menos assim, a experiência é divertida.
Quer conferir? 'Kaleidoscope' está disponível no catálogo mundial da Netflix.
Nota: 8.0