Escrita por: Amanda Kassis
Este texto contém spoilers sobre o desfecho da 1ª temporada.
'1899' estreou com a difícil missão de apresentar a sua própria identidade para fugir da sombra de sua antecessora, a elogiada série alemã 'Dark', será que ela conseguiu cumprir o seu objetivo?
A nova série de ficção científica da Netflix apresenta o navio de imigrantes Kerberos, que partiu de Londres em direção a Nova York, em 1899. O que era para ser uma simples viagem se transforma em um pesadelo após o capitão desviar da rota para atender ao pedido de socorro do Prometheus, uma embarcação desaparecida há 4 meses com 1.423 passageiros abordo. Quando finalmente é encontrado, não há ninguém além de um misterioso menino.
Assinada pelas mesmas mentes criativas por trás de 'Dark', Baran bo Odar e Jantje Friese, a produção possui uma clara identidade dos showrunners. A coloração das imagens, a escolha da trilha sonora e a maneira como a narrativa se desenrola é a mesma utilizada anteriomente. Isso é algo negativo? Não, porque a fórmula funciona mesmo sendo um tema totalmente novo: ao invés de abordarem viagem no tempo, se trata de uma simulação para estudar os mistérios da mente humana – e com outras segundas intenções brevemente apresentadas nos episódios finais.
Um dos elementos centrais é a metáfora filosófica conhecida como Alegoria da Caverna, presente no livro 'A República' de Platão. A alegoria trabalha a percepção dos sentidos humanos de acordo com a realidade que está sendo apresentada a eles. Os sentidos podem ser enganados e, mesmo sabendo disso, as pessoas podem não querer sair de suas próprias ignorâncias em busca do conhecimento verdadeiro, por ser uma zona de desconforto.
Os dois maiores acertos dos showrunners foram o elenco, e a escolha de apresentar um roteiro multilinguístico e multicultural, o que reflete bem a realidade que se espera de um navio repleto de imigrantes. Por mostrarem personagens originados de tantos lugares diferentes, é muito interessante observar os choques culturais e também conhecer o passado deles – sempre assombrados por dor e luto – mesmo que seja tudo criado pela simulação.
O início da temporada é repleto de perguntas e a audiência fica mais confusa a cada novo episódio – no mesmo espírito de 'Dark'. Porém, considerando a obra como um todo, pode-se dizer que '1899' trouxe várias respostas ao fim da sua season finale, encerrando um ciclo e iniciando uma nova etapa em um cenário completamente diferente.
Por falar em cenários, essa produção pôde contar com um orçamento de peso e, como foi divulgado, teve ao seu lado uma nova tecnologia digital para criar ambientes grandiosos e dar a sensação de que os personagens estão realmente presos em uma simulação de computador. Não há nenhum aspecto que dê a ideia de economia, seja por figurino e maquiagem ou pelos nomes renomados no elenco. A imaginação foi o limite, não o dinheiro, e isso os showrunners também tinham de sobra.
Como nenhuma produção é perfeita, é importante falar dos pontos negativos. '1899' peca no ritmo na metade da temporada, mas acelera nos episódios 1x07 e x08. Há uma sensação de que os personagens andam um pouco em círculos, às vezes, literalmente. No episódio final, o foco total é nos protagonistas – Maura, Eyk, Daniel e Elliot– deixando os outros personagens de lado como belos figurantes.
Também, a barreira linguística é uma questão confusa. Há momentos que os personagens não se entendem de maneira alguma, mas em outros parecem falar a mesma língua. Por exemplo, há o personagem de José Pimentão (o padre 'Ramiro'), que não parece saber falar nada além de português e espanhol – essas línguas só eram entendidas por Ángel (Miguel Bernardeau).
Quando os dois se separam, Ramiro parece ficar bem isolado da trama, sendo apenas testemunha de monólogos realizados por outros personagens em diversas outras línguas. Para fazer um comparativo, observa-se o relacionamento entre Ling Yi (Isabella Wei) e Olek (Maciej Musał): nenhum deles falam línguas em comum, tirando algumas palavras em inglês, mas parecem se entender durante a maior parte do tempo.
Outro ponto mal trabalhado é o triângulo amoroso entre os personagens de Andreas Pietschmann (o capitão 'Eyk'), Emily Beecham ('Maura') e Aneurin Barnard ('Daniel'). A falta de espaço para Daniel dentro da trama e a escolha de deixar as cenas dele com Maura apenas para a segunda metade da temporada tornou difícil criar uma conexão entre o casal e a audiência. A ideia de um homem apaixonado atrás de sua esposa que não possui memórias do relacionamento e que continua a perdendo constantemente – simulação após simulação – é, em teoria, algo bem romântico. Entretanto, nessa altura da história, a maior parte do tempo de tela já foi focado em Maura e Eyk, que possuem muita química e uma relação bem construída, tornando difícil não torcer para os dois.
Qual é o veredito sobre essa história? '1899' é uma boa pedida para quem sente saudades de quebra-cabeças como os apresentados em 'Dark', mas é preciso controlar as expectativas, pois a nova série não pertence ao mesmo universo e nem tem a intenção de ser uma substituta, mas algo novo. A trama acerta na mistura entre ficção científica, ambientação histórica e mistério, instigando o telespectador a procurar pistas em cada cena. E isso é o que não falta!
A season finale serve para deixar com gostinho de quero mais e traz uma espécie de fechamento para a narrativa em diversos aspectos. Devido à sequência final de cenas, a série tem a oportunidade de trazer algo bem diferente no quesito ambientação – se afastando da temática do século XIX – além da possibilidade de trazer novos personagens no futuro. E fato de que praticamente tudo apresentado sobre os protagonistas ter sido uma mentira deixa o caminho aberto para verdadeiramente conhecê-los numa possível 2ª temporada.
Onde assistir? A 1ª temporada completa de '1899' já está disponível na Netflix.
Nota: 8.7
A única critica é: Foi cancelada.... Assistir é perda de tempo...
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