Escrito por: Tom Carvalho
Under The Banner of Heaven traz Andrew Garfield como um detetive criminal que tenta desvendar um crime que chocou o estado de Utah, EUA e o mundo em meados dos anos 80. A nível de curiosidade, o estado americano é mundialmente conhecido pelos seus luxuosos templos religiosos e pela predominância da religião Mormon. A série chama atenção por retratar uma camada dos membros dessa instituição que não apenas se perdeu entre os princípios de fé mas tentaram uma revolução no aspecto civil enquanto se rebelaram contra questões do Estado. Baseada no livro homônimo de Jon Krakauer, a obra aborda não apenas a investigação do caso mas também a fé e o fanatismo religioso e como a combinação entre esses fatores influenciou toda uma família e serviu como fundamento para um comportamento que trouxe uma série de tragédias, culminando com o macabro assasinato de Brenda Lafferty e sua filha Erica, um bebe com pouco mais de um ano de idade.
Os "mórmons" são membros de A Igreja de Jesus Cristo dos Santos do Últimos Dias, igreja presente em todo o mundo e com uma participação expressiva dentre as religiões cristãs no Brasil. Recentemente tivemos a igreja representada na mídia por meio de Gil do Vigor, ex-BBB e membro assíduo da religião. Assim como Gil, a grande maioria dos membros da religião são extremamente pacíficos e chamam atenção pela dedicação aos estudos, esportes e a religião assim como pela busca de uma conduta pessoal exemplar. Em UTBOH, vemos um segmento extremo da religião (representado pela família Lafferty) baseado em convicções pessoais e em uma forma deturpada das regras e mandamentos conhecido como os “fundamentalistas”, o que representa uma parcela muito pequena dos membros da Igreja tanto nos Estados Unidos quanto no mundo. Esses grupos seguem isolados e atrelados a conflitos com as leis locais e o afastamento não apenas da religião oficial mas também com a sociedade como um todo.
A série já chegou gerando alarde não apenas no estado de Utah mas em todo Estados Unidos. Sites de notícias, Twitter e noticiários trouxeram a volta do caso para a TV como pauta. A caracterização, os diálogos, as expressões e as atitudes que vemos na produção, se não exatas, se aproximam muito da forma como os membros da religião realmente se comportam. Intermináveis threads no Twitter trouxeram mórmons e não-mórmons a questionarem suas próprias crenças e analisarem sua fé de forma mais analítica e reflexiva. Recentemente, a assessoria da Igreja foi questionada sobre o que a série do FX/Hulu tem abordado, mas o departamento de Relações Públicas da instituição preferiu não comentar sobre a produção. No passado, vimos o mesmo acontecer após o lançamento do premiado musical da Broadway “The Book of Mormon”, que faz piada com os princípios da religião.
No melhor estilo true crime, aqui acompanhamos as histórias de cada membro da família suspeito de envolvimento no caso, o que serve de fundamento para o desenvolvimento da trama. No entanto, assim como em outras diversas produções baseadas em fatos, a adaptação televisa seguiu de forma mais atrativa para esse tipo de mídia. Sharon Wright Weeks, irmã de Brenda Lafferty, uma das vitimas do assassinato investigado na minissérie, alegou em uma entrevista recente que o que as pessoas estao assistindo é uma “total ficção” e afirmou que “a história real envolve muito menos religião e muito mais inveja e vinganca”. Detalhes do caso que durou décadas nos tribunais podem ser vistos espalhados pela Internet e de acordo com Sharon, dão mais detalhes da real intenção dos suspeitos ao trazer a religião para o caso. Para o espectador, acredito que o roteiro deixa espaço para uma interpretação pessoal de qual realmente foi a motivação para o trágico incidente.
Vemos durante os episódios não apenas a investigação e os rumos que a história toma, mas vemos flashbacks com trechos de cerimônias religiosas e como a Igreja foi estabelecida sobre um ponto de vista diferente do que é ensinado na religião. Considerando que a religião se baseia no conceito de revelação recebida diretamente de Deus por meio de profetas, a família Lafferty leva o princípio ao extremo e se julgam constantemente merecedores de inspiração divina. Em diversos momentos vemos também que a história de como a Igreja foi estabelecida influencia grandemente em como eles lidam com suas responsabilidades pessoais e eclesiásticas.
Independente de religião, UTBOH chama a atenção do espectador pois traz uma série de questões que são, de certa forma, universais em religiões cristãs. O olhar detalhista sob o fanatismo e obsessão religiosas demonstram como a fé e conduta pessoal dos membros das famílias envolvidas no caso andam lado a lado com as leis e o Estado. Descrevendo em poucas palavras, a série descreve como a fé pode levar o ser humano ao extremo, e o que vimos na tela se apresenta não só surpreendente mas assustador e intrigante.
Under The Banner of Heaven é uma minissérie original FX on Hulu e recentemente foi encerrada após 7 episódios com média de 1 hora de duração cada. A temporada completa chega amanhã no catálogo brasileiro do Star+ .
Nota: 9.0